Tuesday, February 12, 2008

o fator espaço

Lembro dos "velhos tempos" de Eletropaulo, no começo dos anos 90, antes da ceifa da qualidade do trabalho e da vida causada da privatização. Nossos postos de trabalho... Ah, nem eram chamados postos de trabalho, mas "escritórios". Estar em seu escritório significava simplesmente estar em sua mesa. A diferença das colméias de hoje em dia é que sua mesa era composta de uma mesa de verdade, com três gavetas, um fichário, e um ou dois armários.

Foi nos meados dos anos 90 que vieram com a "pérola" da eficiência administrativa importada do Japão, o país do não-espaço: chamava-se 5Ss (cinco-esses), e foram os 5 primeiros passos para a derrocada da individualidade e da qualidade da vida profissional.

5S é uma metodologia utilizada para supostamente melhorar a organização dos ambientes de trabalho, graças à mudança de atitude das pessoas ao seguirem os 5 passos recomendados pelo programa (ATENÇÃO: QUALQUER SEMELHANÇA COM PROGRAMAS DE RECUPERAÇÃO OU DE AUTO-AJUDA E PURA COINCIDÊNCIA!!!). Ele alega tornar os processos mais eficientes e melhorar o bem estar do trabalhador, tudo graças à redução do desperdício de materiais, do tempo e do espaço. Lembrando que, o cafezinho depois pela manhã e depois do almoço, por exemplo, alguém consideraou desperdício, portanto foi cortado. Almoço, aliás, teve que ser reconsiderado para que não se tornasse desperdício de tenmpo, e quanto ao espaço... bem, desse nem se fala, é só olhar a "cultura do cubículo" espalhada por aí.


As 5 pérolas são:
  1. Seiri, ou "Senso de Utilização" - deixar no ambiente de trabalho só os materiais (que alguém que não é você acha que são) úteis, descartando os demais. Nessa brincadeira, foi-se a sua caneca de chá, o porta-retrato da família, o "walkman" (velho, né?).

  2. Seiton, ou "Senso de Organização" - organizando os materiais conforme a frequência do uso. Se utilizado frequentemente, deve ficar por perto, caso contrário, deve ser "estocado" em depósito, geralmente noutro andar. Foi assim que perdemos o "hábito de ler manuais de instruções", e passamos a fazer as coisas por instinto.

  3. Seisou, ou "Senso de Limpeza" - Consiste em manter os ambientes de trabalho limpos e em ótimas condições operacionais. Este princípio diz: melhor que limpar é não sujar. Aqui, realmente, reinventaram a roda...

  4. Seiketsu, ou "Senso de Saúde" ou Melhoria Contínua - manutenção e melhoria da saúde do trabalhador e nas condições sanitárias e ambientais do trabalho. O grande papo-furado do programa, pois com a saúde do trabalhador não queriam nem que o próprio se preocupasse.

  5. Shitsuke, ou "Senso de Autodisciplina" - Autodisciplina é um estágio avançado de comprometimento das pessoas, que seguem os princípios independente de supervisão. Para atingir este estágio é necessário ter atendido satisfatoriamente os 4 princípios anteriores do 5S. Bonito, né? Mas em poucas palavras significa apenas que, para ter disciplina, é preciso ter engolido todos os sapos anteriores e achado tudo muito bom pra você.
Não posso reclamar da minha colméia, pois tenho mesa "em L", 3 gavetas, dois fichários e dois armários suspensos, estilo "baú", e uma cadeira com encosto que você pode realmente se encostar sem o perigo de quebrar a cadeira ou cair.

Mas por que tudo isso, poderia você me perguntar... pois é, lembrei disso tudo só porque, confesso, me senti "diminuído" esta semana. Estou fazendo um trabalhinho aqui na Noruega, e pude observar que, além de ser uma país de uma natureza maravilhosa, privilegiado com a aurora boreal no inverno e o sol da meia-noite no verão, de não usarem o euro como moeda, mas a coroa norueguesa, não fazerem parte da comunidade européia, falarem norueguês, que parece dinamarquês, que parece sueco que parece nederlandês, que parece alemão, comerem muito peixe, terem pães deliciosos, não serem obesos, terem um tempo parecido com o da Irlanda, chuvoso, serem amantes da natureza, começarem sua jornada de trabalho por volta das 7am e terminarem por volta das 3pm, e não serem estressados com o trabalho, ainda têm escritórios de verdade, não cubículos nem colméias, tampouco apenas mesas grandes com armários... mas escritórios de verdade, salas com mesa, cadeiras (no plural mesmo!), armários (no plural de novo!), onde podem tomar café de graça (não só pela manhã e depois do almoço, mas à vontade!), com rádio, quadros e, acreditem, retratos da família!

Ah, se os americanos soubessem...

E em homenagem aos escandinavos, na vitrola rola um Nils Petter Molvær, o maravilhoso NP3, faixa 1, "Tábula Rasa". E já que é de Tábula-Rasa que se fala, de encontro ao que prega o empirismo lockiano, o processo do conhecer aqui também se deu pela mais dura experiência da tentativa e do erro... E para dar algum crédito àquele povo da parte central da América do Norte, cito o juiz americano Louis Brandeis, que dizia que "A luz do sol é o melhor dos desinfetantes".

Fomos!

1 comment:

Unknown said...

É, amigão, bons tempos aqueles.........

Napoli