Sunday, May 25, 2008

um livro para se consumir


Carta a D

Um livro para se ler, este Carta a D - História de Um Amor de André Gorz, publicado este ano numa co-edição da AnnaBlume e da Cosac-Naify. Fora as posições ideárias - André Gorz era um marxista - que não são relevantes ao livro, a projeção da felicidade na figura do outro, ao meu ver, representa um despego, um desinteresse tal de sí, que só pode causar tristeza e melancolia a simples idéia de não ter mais este alguém para se projetar.

Um sentimento ególatra, então? André precisava sofrer na figura da amada. André precisava do sofrimento de Dorine para dar certa vazão - e sentido - à sua produção intelectual, e A Carta fecha o ciclo com chave de ouro - o reconhecimento, e por conseguinte, o louvamento desesperado e o deixamento de seu ser em detrimento do outro. E embora me repute um praticante do bem, tambem acredito na quimera de que "só fazemos o bem porque nos faz bem".

Trecho:
Você está para fazer oitenta e dois anos. Encolheu seis centímetros, não pesa mais do que quarenta e cinco quilos e continua bela, graciosa e desejável. Já faz cinqüenta e oito anos que vivemos juntos, e eu amo você mais do que nunca. De novo, carrego no fundo do meu peito um vazio devorador que somente o calor do seu corpo contra o meu é capaz de preencher.

...

Detesto a expressão "MEU LIVRO": vejo a essência da vaidade pela qual um sujeito se vangloria de qualidades que outros lhe conferem, uma vez que ele mesmo é um Outro. O livro não é mais o "MEU PENSAMENTO", uma vez que este se tornou um objeto no meio do mundo, algo que pertence aos outros e me escapa.

(PDF das primeiras páginas do livro)

Um pequeno parêntese sobre a propriedade do livro: é justamente isso que certos "poetinhas" ou "letreiros" não entendem. Escreveu? Tornou público? Não é masi seu! E depois que outros interpretam se posam de ofendidos, dizendo que não entenderam nada... Ora, escrevam melhor, pois!

Sobre o marxismo de André,
a meu ver, o ababelado regime - da qual simpatizo porém abomino pelo lado abolorecido - acabou desaguando em governos nóxios, num claro exemplo da dissensão de uma teoria supostamente justa e funcional sobre um modelo prático pravo e iníquo. Esqueceu-se, entre outras sabujices, que não se pode classificar de igual o que é mutável e inexato - o homem, dessemelhante dele mesmo!

Por bem, grandes cabeças pensam e concluem o inevitável: o comunismo não funcionou, e não vai funcionar - se é que ainda quer funcionar - enquanto não se mudar estruturas básicas em sua teórica, rever conceitos econômicos e classistas - como falar em burguesia x proletariado, lucro x mais-valia, num mundo onde diferenças gritantes se escancaram aos olhos e não se pasma diante delas? Como jogadores de futebol ganham num jogo o que médicos ganham num ano para salvar vidas? Como cantores ascendem socialmente pelo atalho do sucesso fabricado da Indústria Cultural e de Massa, enquanto professores - divulgadores da arte e do saber - ganham migalhas? Onde o elenco dos "reality shows" tipo BBB + a novela das 8 + a última tragédia são assuntos obrigatórios para ser considerado "conectado" com o mundo? Perguntemos, então: que porra de mundo é este?

E o Capital, então? Capitalismo é ditadura sim, só que não-instuticionalizada, mas é igualmente cruel, senão pior! Quando tem-se muito é porque em algum lugar está faltando bastante... é matemático, não tem mágica não! Agora, ruim mesmo é povo sem educação, sem civismo, sem valores. Isso é triste, e parece que ninguém em nenhum governo, seja de direita, de esquerda, do centro, ou da puta-que-o-pariu, quer mudar este quadro.

É isso... ufa!

No momento leio "40 Novello di Luigi Pirandello" - uma delícia despretenciosa! Em seguida pretendo ler "Continente Sombrio: a Europa no Século XX" de Mark Mazower, para entender um pouco mais as intrísecas culturais dos povos como conseqüência dos pós-guerras, e pretendo logo depois encarar "Reappraisals Reflections on the Forgotten Twentieth Century" de Tony Judt, que faz uma análise mais detalhada e moderna da Europa pós-Guerra Fria, com foco no Projeto Europeu. Antes mesmo de ser lançado - promete-se ainda para este mês - já causa um tremendo vavavá!

Agora, de volta às madrileñas... a série, é claro!

Fui.

1 comment:

Flores, Sempre said...

Ficou muito interessante essa sua análise matemática sobre o amor. O amor vem bem devagarinho como quem não quer nada e quando percebemos estamos todinho tomado. Deu no mesmo não é? É o amor na sua essência, uma dádiva para poucos mortais. LU E.