Monday, April 13, 2009

divagações sobre a morte - IV

- Marcelo, como você está bonito!

- Er... Eu não sou o Marcelo, dona Selma...

- Como você se parece com o Marcelo... você sabia? Ele estaria agora com quantos anos... Você está com quantos, meu filho?

- Vinte e quatro dona Selma...

- Ah... como você lembra o meu filho Marcelo!

Marcelo era meu amigo. Ouvíamos velhos vinis de rock 'n roll juntos, na época que certos álbuns só eram encontrados na versão importada, o que geralmente custava três vezes o preço do LP nacional. Ele particularmente adorava o Black Sabbath, e tinha alguns dos álbuns importados. Às vezes passávamos a tarde juntos, sonhando com uma banda e ouvindo muito rock 'n roll!

Desde que ele falecera num acidente de moto, aos 22 anos de idade, eu procurava evitar a dona Selma. Sempre que ela me via, se dava a chorar, abundante mas silenciosamente, como que se afogando em mágoas, dizia que eu lembrava o filho dela - fisionomias parecidas, a mesma idade, a mesma rebeldia do rock 'n roll - e às vezes passava a mão no meu rosto, com um olhar triste como só a morte de um filho pode causar a uma mãe, e dizia... ah, o meu Marcelo estaria tão bonito como você... eventualmente ela me chamava de Marcelo, o que acabava me constrangendo menos, pois sabia que ela estava numa espécie de transe.

O tempo passou, dona Selma deixou de trabalhar no hospital, e eu nunca mais a vi, nem ela nem ao Daniel, seu outro filho mais novo... mas poderíamos dizer que "a vida" não lhe foi generosa...

No comments: