Carta a D
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Um sentimento ególatra, então? André precisava sofrer na figura da amada. André precisava do sofrimento de Dorine para dar certa vazão - e sentido - à sua produção intelectual, e A Carta fecha o ciclo com chave de ouro - o reconhecimento, e por conseguinte, o louvamento desesperado e o deixamento de seu ser em detrimento do outro. E embora me repute um praticante do bem, tambem acredito na quimera de que "só fazemos o bem porque nos faz bem".
Trecho:
Você está para fazer oitenta e dois anos. Encolheu seis centímetros, não pesa mais do que quarenta e cinco quilos e continua bela, graciosa e desejável. Já faz cinqüenta e oito anos que vivemos juntos, e eu amo você mais do que nunca. De novo, carrego no fundo do meu peito um vazio devorador que somente o calor do seu corpo contra o meu é capaz de preencher.
...
Detesto a expressão "MEU LIVRO": vejo a essência da vaidade pela qual um sujeito se vangloria de qualidades que outros lhe conferem, uma vez que ele mesmo é um Outro. O livro não é mais o "MEU PENSAMENTO", uma vez que este se tornou um objeto no meio do mundo, algo que pertence aos outros e me escapa.
(PDF das primeiras páginas do livro)
Um pequeno parêntese sobre a propriedade do livro: é justamente isso que certos "poetinhas" ou "letreiros" não entendem. Escreveu? Tornou público? Não é masi seu! E depois que outros interpretam se posam de ofendidos, dizendo que não entenderam nada... Ora, escrevam melhor, pois!
Sobre o marxismo de André,
a meu ver, o ababelado regime - da qual simpatizo porém abomino pelo lado abolorecido - acabou desaguando em governos nóxios, num claro exemplo da dissensão de uma teoria supostamente justa e funcional sobre um modelo prático pravo e iníquo. Esqueceu-se, entre outras sabujices, que não se pode classificar de igual o que é mutável e inexato - o homem, dessemelhante dele mesmo!
Por bem, grandes cabeças pensam e concluem o inevitável: o comunismo não funcionou, e não vai funcionar - se é que ainda quer funcionar - enquanto não se mudar estruturas básicas em sua teórica, rever conceitos econômicos e classistas - como falar em burguesia x proletariado, lucro x mais-valia, num mundo onde diferenças gritantes se escancaram aos olhos e não se pasma diante delas? Como jogadores de futebol ganham num jogo o que médicos ganham num ano para salvar vidas? Como cantores ascendem socialmente pelo atalho do sucesso fabricado da Indústria Cultural e de Massa, enquanto professores - divulgadores da arte e do saber - ganham migalhas? Onde o elenco dos "reality shows" tipo BBB + a novela das 8 + a última tragédia são assuntos obrigatórios para ser considerado "conectado" com o mundo? Perguntemos, então: que porra de mundo é este?
E o Capital, então? Capitalismo é ditadura sim, só que não-instuticionalizada, mas é igualmente cruel, senão pior! Quando tem-se muito é porque em algum lugar está faltando bastante... é matemático, não tem mágica não! Agora, ruim mesmo é povo sem educação, sem civismo, sem valores. Isso é triste, e parece que ninguém em nenhum governo, seja de direita, de esquerda, do centro, ou da puta-que-o-pariu, quer mudar este quadro.
É isso... ufa!
No momento leio "40 Novello di Luigi Pirandello" - uma delícia despretenciosa! Em seguida pretendo ler "Continente Sombrio: a Europa no Século XX" de Mark Mazower, para entender um pouco mais as intrísecas culturais dos povos como conseqüência dos pós-guerras, e pretendo logo depois encarar "Reappraisals Reflections on the Forgotten Twentieth Century" de Tony Judt, que faz uma análise mais detalhada e moderna da Europa pós-Guerra Fria, com foco no Projeto Europeu. Antes mesmo de ser lançado - promete-se ainda para este mês - já causa um tremendo vavavá!
Agora, de volta às madrileñas... a série, é claro!
Fui.
1 comment:
Ficou muito interessante essa sua análise matemática sobre o amor. O amor vem bem devagarinho como quem não quer nada e quando percebemos estamos todinho tomado. Deu no mesmo não é? É o amor na sua essência, uma dádiva para poucos mortais. LU E.
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