Thursday, June 28, 2007

O Equívoco da Diversidade e da Multiculturalidade


"Você, que nunca acordou e olhou no espelho de manhã pra uma cara preta, você que nunca teve que botar uma cara preta na rua e sentir o que é as pessoas olharem pra uma cara preta. Você que nunca sentiu ninguém dirigir a palavra a um preto. Como você, sem estas informações básicas, pode afirmar que não existe racismo no Brasil?"
Arnaldo Xavier

O que mais se ouve falar aqui na Europa é Diversidade e Multiculturalismo. Estes dois temas - embora eu goste de tratá-los como um único - vêem tomando conta dos debates culturais, sociais e religiosos nos últimos pares de anos ou mais. Aliás, desde que a Europa é Europa [mais sobre a UE], estas questões são centrais, já que tem um ideal humanístico e comum aos países que fazem parte dela. E como não poderia deixar de ser, ao expandir-se ao leste, a UE começa a ter que lidar com culturas diversas das quais estava acostumada.

Para se estabelecer um diálogo com o seu próximo, primeiro é preciso reconhê-lo como seu próximo. E para reconhecer um outro como "um próximo", devese-se encontrar algo de comum. Por exemplo, somos todos seres humanos. Desse ponto a UE já passou, por bem!

Tudo muito básico, entretanto... se passarmos da estrutura "nativa" do próximo - ser-humano - para a ideológica - cultural, social, antropológica - começamos a lidar com identidades particulares, que nos leva a considerar neste ser-humano, neste mesmo "próximo" de outrora, uma "experiência elementar" de vida, em nada diferente da nossa, embora completamente diferente. Passamos a ter que identificar o próximo como si mesmo, embora diferente de si. E isto é tão fundamental, ao ponto que se negarmos este "diálogo" estaremos negando o próprio e qualquer diálogo.

Como aceitar o que nos é estranho, desconhecido? Como abrir o diálogo para algo que não compreendemos? Até por não ser propriamente externada, devido à limitação das línguas - a busca de uma suposta língua universal que inevitavelmente vai limitar lexica, social, cultural e antropologicamente a verdadeira expressão daquela experiência elementar e qualquer tentativa de compreensão mais séria acabará esbarrando, talvez muito talvez pouco, nestes fatores.

Devido à sua penetração cultural - meios de comunicação, linguagem visual, publicidade, internet - os países ocidentais - a maioria branca, católica e/ou protestante - dominam a cena mundial, e levam (impõem) ao mundo uma "lavagem cultural" incomensurável, com conseqüências tão inimagináveis a médio e longo prazo que a única saída é a promoção da "diversidade" e do "multiculturalismo". O problema é: a que termos?

Como disse o grande poeta e profeta Pyndahýbico Arnaldo Xavier, mais ou menos nestas letras ou noutras: "Você, que nunca acordou e olhou no espelho de manhã pra uma cara preta, você que nunca teve que botar uma cara preta na rua e sentir o que é as pessoas olharem pra uma cara preta. Você que nunca sentiu ninguém dirigir a palavra a um preto. Como você, sem estas informações básicas, pode afirmar que não existe racismo no Brasil?"

Segundo o último Tratado de Reforma da União Européia, parece que a coisa não anda no caminho certo. Como discutir diversidade e multiculturalidade se não se aceita por completo o próprio? Aquele mesmo ser-humano antes identificado como "próximo", gerador dessa diversidade / multiculturalidade. Como estabelecer-se um diálogo onde certos países fazem parte da UE, mas seu povo não? O interesse econômico, então, prevalece sobre o humano. De novo!

Falta interlocutor a este diálogo, pois os Estados e a própria UE não estão dando conta. Se não expandir-se a capacidade crítica do diálogo - avesso à posição tomada por britânicos e alemães, nem tanto franceses e holandeses, indeferentes ou inexpressivos italianos e portugueses.

Corremos o risco de "diversidade e multiculturalidade" se tornar apenas assunto de estudo para teses em sociologia, antropologia ou teologia, e as "manifestações bárbaras que não se encaixam no comportamento social e cultural do homem moderno" serem tratadas com aquela mesma intolerância ao qual a humanidade teme ver, mas ao final já está acostumada.

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