Friday, March 12, 2010

assassino, eu?

Pois é... quem me conhece sabe que não sou, mas falo a respeito...

É que vai sair a antologia Assassinos S/A, e eu estou nessa!

Antecipo... o meu conto é esse aqui:

O Antipanegírico


Bem que eu tentei dar profundidade a isto tudo… em vão. Tentei ser bom, correto, e ao menos isso penso que consegui, mas agora me questiono se realmente valeu a pena todo este esforço. Ser bom requer esforço. Ao menos tentar ser bom exigiu de mim muito empenho.

Não vou aborrecê-los com pormenores da minha infância, pois realmente não valem à pena – se é que uma pena tem algum valor. Dela posso dizer que foi como qualquer outra infância normal, ou seja, não fui abusado, tampouco espancado. Recebi uma educação religiosa baseada na inexpressiva doutrina católica – o que resultou em agnosticismo –, freqüentei a escola normalmente e razoavelmente e tive paqueras que não deram em nada. Fumei cigarros, fumei maconha, tomei porres homéricos, tive alucinações coletivas e duradouras. Tudo em nome de mim.

Começou, digamos, quando me tornei gente. E isso só se dá muito tarde na vida, pois sempre temos uma impressão errada deste estado: primeiro pelos 14 anos, depois ao redor dos 18, novamente aos 24, 25, e depois aos 30. Apenas quando chegamos aos 40 começamos a entender o que é a vida, e só depois dos 50 é que podemos falar dela com propriedade. Então percebemos que já estamos muito perto do fim, uns mais, outros menos. É preciso começar a morrer para viver. Só aí passei a ser gente. E daí pra frente, as coisas só pioraram, e todos os meus sonhos de não-gente foram por água abaixo, pouco a pouco. Trabalhava para o sustento, sufocava minhas vontades submetendo-me a vontades que não as minhas, privava-me de horas preciosas, as quais nunca dei importância. Constitui uma família, pois me foi imposto que assim tinha que ser. Traí minha esposa, não por falta de amor a ela tampouco por amor a amante, mas por pura convenção. Separei-me, deixei filhos para trás, casei-me de novo, cuidei de filhos que não eram meus, não os amei como deveria, nem amei minha segunda esposa como pensei que amaria, e acabei traindo-a também, desta vez não por convenção, mas por um vazio que sempre carreguei comigo e não se resume em amor, desamor, nem sexo. Fiz outros filhos, oficiais e clandestinos, que acabei não dando a atenção devida, ou talvez sim, e levei a vida.

É verdade que, no meio disso tudo, tentei dar certa graça ao tempo que passava, fazendo coisas que pareciam mais nobres apenas por não serem impostas, cobradas ou esperadas, como tocar numa banda de jazz, escrever alguns contos, um ou dois romances e umas tantas poesias, além de me engajar em projetos sociais que nunca deram certo e me infiltrar na política – de esquerda, é claro – para demonstrar que estava tentando mudar alguma coisa do sistema que me oprimia. Mas tudo foi em vão.

No quesito tentativa não tenho do que reclamar, pois tentei bastante. No quesito sucesso, sou só fracassos. Por mais que eu tenha tentado dar profundidade à minha existência, acabava me propagando apenas em periferias, abrangências limítrofes, muito aquém donde queria chegar.

O que mais posso dizer sem levá-los ao aborrecimento? O porquê disso tudo? Claro... o porquê.

Dias antes, enquanto fazia compras no supermercado, um carro com quatro pessoas se aproximou de mim e estas pessoas me encararam demoradamente. Achei estranho, encarei-os de volta, mas eles não se intimidaram. Eu me intimidei. Isto me fez lembrar de algo que ouvi na rádio, dias antes, sobre um jovem que foi morto a tiros numa casa nas redondezas, e a polícia concluiu que havia sido um engano, pois a vítima não tinha antecedentes criminais.

Não falo polonês, embora possa identificar a língua. E aquelas pessoas se dirigiram a mim em polonês. Disso eu tenho certeza! Outra certeza que tenho é de que eles se enganaram. Foi um engano! Perguntaram em polonês, gritaram em polonês, apontaram-me uma arma polonesa, e dispararam tiros poloneses.

Certamente mataram o cara errado.

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